Felizmente fui sempre dos primeiros a terminar as etapas. Quase sempre por volta das 12h já tinha cortado a meta. A rotina era sempre a mesma: trocar o roadbook, que era obrigatório levar comigo na etapa, pelo roadbook da etapa seguinte; receber o 1,5lt de água a que tinha direito todos os dias após terminada a etapa; entregar a bicicleta ao Hilário (mecânico); procurar o meu saco no meio de 500. Esta tarefa estava um pouco facilitada porque os sacos estavam divididos em 3 grandes montes por número de frontais dos atletas; procurar a minha tenda, que era sempre a número 74; dirigir-me o mais rápido possível para os duches, enquanto havia água, aproveitava também para lavar os sapatos, o capacete, os bidões e o camelbak; beber o Fast Recovery; ir para a massagem, e por fim, almoço. O resto da tarde, era para descansar, pôr a conversa em dia, e preparar tudo para o dia seguinte. Enquanto isto, os participantes vão chegando durante toda a tarde.
O segundo dia foi o primeiro dia da etapa maratona. A etapa maratona consiste em duas tiradas. A primeira com 103km e a segunda com 137km. As horas que dividem estas duas tiradas, são de auto-suficiência, isto é, não temos mecânico, nem massagista, nem duches, nem tendas, nem camas. A organização fornece apenas, almoço, jantar, pequeno-almoço, e um toldo onde colocamos os nossos sacos-camas para pernoitar. Também havia lavatórios para uma higiene mínima, mas rapidamente terminou a água.
Assim, no segundo dia do Titan, tivemos que transportar carga extra. Para além do saco-cama, alguma roupa para vestir após a primeira tirada da etapa maratona, algum alimento, os suplementos essenciais, nomeadamente Fast Recovery, Goldrink, barras e géis para o segundo dia, toalhetes para a higiene pessoal e alguns para limpeza da bike, algumas ferramentas e material suplente.
Depois de ter terminado a primeira etapa bastante desgastado (físico e psíquico) e com bastantes dores musculares, devido à queda, às cãibras, ao ritmo da prova e à avaria da suspensão, a minha condição e a moral no segundo dia não estavam em alta. No entanto, quando se deu o tiro de partida, mais uma vez posicionei-me na frente. Nos primeiros 2km o ritmo até era confortável, mas logo de seguida o checo Martin Horak atacou fortíssimo! Ainda tentei seguir o grupo da frente, mas de imediato vi que era impossível. Na frente seguiram uns 15 atletas, e eu fiquei apenas com Eleuterio Anguita, um velho conhecido da estrada, que foi meu colega nos 2 anos que competi numa equipa espanhola. Seguimos os dois durante 10km aproximadamente. Depois apanhámos mais 3. Mais tarde, Anguita fica para trás e eu sigo com os outros 3. Pedalámos juntos mais de 20km. Depois fomos apanhados por um grande grupo (cerca de 20) no qual vinha a líder feminina – Rebeca Rush. Foi nesta altura que tive um corte de corrente. Pensei: “vão uns 20 na frente, estou todo dorido (sobretudo mãos, braços e costas), a principal adversária da minha colega Celina vem aqui comigo, e eu não faço ideia se a Celina vem próximo ou mais atrasada!”. Naquele momento decidi esquecer a luta pela classificação Master, e aguardar pela Celina para tentar ajudá-la. Já estava farto de sofrer atrás daquelas “bestas”. E este sofrimento não estava a dar frutos. Com esta decisão queria desfrutar mais do percurso, das paisagens e ao mesmo tempo ajudava a Celina que ainda estava a lutar por um lugar no pódio, ao passo que eu naquela situação estaria arredado dos 3 primeiros. E assim esperei. Fui devagar 5 minutos…10 minutos…15 minutos…20 minutos…entretanto passaram uns 3 grupos e alguns ciclistas solitários. Todos passaram por mim e eu não passei cartuxo. Entretanto chega o grupo onde Celina vinha integrada. Eram uns 10-15. Os restantes 20km que faltavam para chegar ao acampamento foram para puxar pela Celina para que perdesse o menos tempo possível para Rebeca Rush. Terminada a 1ª tirada da etapa Maratona, tinha ficado decidido que iria levar o resto do Titan Desert mais na desportiva, até porque nesse dia terei perdido uns 30-40 minutos para Manuel Beltran e o grupo da frente.
Mas a meio da tarde, e por curiosidade, fui ver as classificações da tirada. E tal não é o meu espanto que, apesar de ter descido de 14º para 18º na classificação geral, subi de 4º para 3º na classificação Master! Afinal, tinha havido mais “cortes de corrente” naquele dia. A primeira etapa tinha deixado mossa a muito boa gente. Não foi só a mim.
Decidi então não baixar os braços ainda, e que no terceiro dia (2ª parte da etapa maratona) iria mais uma vez tentar aguentar o ritmo do grupo da frente e ficar na expectativa a ver se mais algum adversário directo cederia. Nesta altura o líder da categoria Master, Manuel Beltran, já tinha mais de uma hora de vantagem, mas se conseguisse ficar no top 3, também não seria mau de todo.
Ao terceiro dia, realizámos a tirada mais longa da história do Titan Desert - 137km!
Mais uma vez tentei seguir com o grupo da frente durante alguns quilómetros, pelo menos para fugir á confusão inicial. Passados uns 20km, optei por levantar o pé e seguir o meu ritmo, pois estava sujeito a dar o estoiro. A etapa era muito longa. Primeiro pedalei alguns quilómetros a solo, depois num grupo de 7-8 - nesta altura caí mais uma vez mas sem gravidade, só alguns arranhões – e por fim, 6 ficaram trás, e os últimos 40km foram feitos com o líder da categoria sub-23. Resultado final: subi um lugar na classificação geral, e reduzi o tempo de diferença para o 2º classificado master. Já para Beltran perdi mais alguns minutos! Mas as sensações físicas iam melhorando a cada dia que passava.
Quarto dia, a etapa mais dura em solo marroquino, caracterizada pela muita pedra que iríamos apanhar. Apesar de já termos mais de 300km nas pernas, e pouco descanso, mais uma vez saiu-se a 1000 por hora! Mas desta vez consegui aguentar melhor o grupo da frente, apenas composto por cerca de 10 elementos, e Manuel Beltran não era um deles. Mais uma vez, quem impunha um ritmo muito forte neste grupo era o checo Martin Horak. Rolámos muitas vezes a quase 40km/h, e ninguém ia á vontade na roda do campeão checo. Rolei neste grupo até ao quilómetro 50 aproximadamente, altura em que começou o troço mais complicado coberto de lascas de pedra. Sem roda 29’’ ou suspensão total era praticamente impossível seguir no grupo da frente! Aliás, eu, Horak e Oscar Pereiro, éramos os únicos com roda 26’’ no grupo dianteiro, só que Horak e Pereiro tinham suspensão total e eu quase não tinha suspensão … da frente! Apesar de me sentir bem, tive mesmo que ceder e seguir o meu ritmo. Passados os 15km do troço em pedra, aumentei o ritmo e ainda consegui passar por 2 ciclistas que iam na frente. Nessa etapa fiz 10º e subi ao primeiro lugar da categoria Master. Isto porque Manuel Beltran não apanhou o comboio da frente. E o grupo em que vinha integrado, por um erro de navegação, perdeu-se. Beltrán nesse dia chegou quase 1h30 depois de mim. A faltar duas etapas para o final do Titan, era 12º da classificação geral e líder da classificação Master, com 17 minutos de vantagem do espanhol Manuel Beltran.
A quinta etapa foi a mais curta – 61km – e também a mais rápida – 33km/h. Mais uma saída a fundo, mais uma vez apanhei o comboio da frente, e mais uma vez Manuel Beltran ficava para trás. Com isto consolidei a minha liderança, tinha agora 45 minutos de vantagem. Parecia ser uma vantagem confortável. Mas todo o cuidado era pouco. Faltava uma etapa duríssima em solo espanhol, e um pequeno azar ou descuido podia colocar em risco a minha vitória em Masters.
Depois de uma noite muito mal dormida e a alimentação ter sido quase nula, no Sábado arrancámos de Alba (Espanha) para a última etapa. Momentos antes, ainda tive uma situação de bastante stress. O amigo Jota tinha trazido de Portugal uma suspensão Lefty para substituir a que estava estragada. E o Rui Silva (Barbo Racing) tinha a delicada missão de fazer a substituição em “cima do joelho” e sem as ferramentas mais apropriadas. Serviu-se apenas de um minúsculo alicate, que andava comigo no camelbak para alguma emergência, um conjunto de chaves de sextavadas e um taco de madeira. Felizmente e graças á experiência do Rui neste tipo de situações de stress competitivo como mecânico oficial da equipa Yamanha (motocross) tudo correu bem, e na última etapa, finalmente tinha uma suspensão da frente :)
A última etapa tinha 110km com 2.500 de subida acumulada. Subidas longas junto à Serra Nevada. Foi o dia que me senti melhor. Quando Milton Ramos, principal adversário de Roberto Heras, atacava nas subidas mais inclinadas, só ficávamos 4 na frente: Milton, Heras, Pinto e eu. Todos os outros cediam. Depois o grupo abrandava e alguns ciclistas juntavam-se ao grupo. Isto aconteceu algumas vezes, e notava-se realmente que havia vários atletas muito justos de forças. Entretanto, e por momentos, perdemo-nos duas vezes. Tinham retirado algumas marcações colocadas pela organização. Isto foi pretexto suficiente para alguns atletas (aqueles que iam mais justos) convencerem os outros a fazer um pacto de não agressão durante o resto da etapa. Todos concordaram (ou quase todos). A partir daqui segui-mos num ritmo moderado. Mesmo assim, alguns descolavam nas subidas mais longas. Beltran foi um deles. Terminadas as subidas mais duras, alguns lançaram-se nas descidas finais. Eu não quis arriscar, pois na situação em que estava tinha garantida a vitória na categoria, e segui no meu ritmo.
No final dos 6 dias de competição tinha conseguido o meu objectivo principal – vencer a categoria Master – e fiquei apenas a 1 lugar do meu objectivo secundário – o top-ten da classificação geral. Quem diria?! Depois de logo ao segundo dia pensar que já não teria hipótese de atingir o meu objectivo!
Só podemos fazer o balanço de uma prova por etapas, após todas terem sido concluídas. Numa prova de BTT com esta dureza, em que a capacidade de recuperação é o factor mais importante para um bom resultado, em que as condições, fornecidas pela organização, para esta recuperação são escassas, todos os truques são importantes. No meu caso em particular, e no caso de toda a equipa Meo Team, em que todos foram finishers, um dos truques utilizado, foi uma boa suplementação nutricional. Como já referi a alimentação era desequilibrada. Mas toda a Meo Team estava bem suplementada, ou não tivéssemos o alto patrocínio da GoldNutrition (uma curiosidade: Roberto Heras também o tem). O Fast Recovery, o Goldrink Premium, o SAFE, o ZMA, o Magnésio, o Tribulus, o Muscle Repair e ainda o Kyo-Dophilus (da marca Kyolic) foram peças fundamentais no sucesso de toda a Meo Team, do Roberto Heras e do meu em particular :)
(talvez continue)